O país deveria debater como superar a carestia, o desemprego e a miséria. Mas não; se desgasta com discussão sobre voto impresso e urna eletrônica
Como sair da crise social, econômica e de saúde ocasionada pela pandemia de covid-19? Isso deveria estar tomando conta do debate nacional, agora. Mas não é o que ocorre. Estamos mergulhados num buraco em que a discussão gira em torno da volta do chamado ‘voto impresso’, contra as ‘urnas eletrônicas’.
O Brasil – governo federal, com seus ministérios; Congresso Nacional, organizações da sociedade civil, empresariado, oposição – precisaria de estar mobilizado em prol de medidas para enfrentar a carestia. Subsídios para a compra de comida, para a tarifa de ônibus, para conter a disparada dos preços dos combustíveis, por exemplo, teriam de estar em pauta.
Mas não. Nas redes sociais, nos grupos de whatsapp e telegram, e até em atos de rua de certos segmentos, o que mais está consumindo tempo e energias é o embate entre a Presidência da República e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O Brasil precisaria de estar, agora, definindo um programa de geração de empregos. Um programa que impulsionasse a indústria a contratar cooperativas de costureiras para a confecção em larga escala de máscaras; um mutirão de obras públicas nas cidades, e de infraestrutura nacional, para movimentar a construção civil e abrir postos de trabalho aos montes, para profissionais de todas as escolaridades e qualificações.
Mas não. Enquanto na Presidência da República o foco é a história do voto impresso, no Ministério da Economia o máximo que se faz é apresentar projetos de entrega das empresas públicas (Correios, Eletrobras, Ceitec) para o capital privado.
Ou, ainda, a proposta de uma “reforma” administrativa que, em vez de cortar privilégios, deixa servidores e instituições reféns do clientelismo político e do poder econômico.
O Brasil deveria estar, hoje, debatendo qual a forma mais segura e pedagogicamente mais correta de volta gradativa às aulas presenciais, depois de um ano e meio do necessário distanciamento. Poderia estar, neste instante, movimentando a indústria brasileira de eletroeletrônicos com a produção em larga escala de equipamentos para garantir inclusão digital a estudantes e professores.
Mas não. Do governo federal o sinal mais forte que vem é contra as urnas eletrônicas e contra as instituições; estas e suas lideranças ficam condicionadas a orbitar em torno desse tema. Diante de tanta gente passando fome, tanta gente sem teto, tanta gente desempregada ou, no máximo, com um trabalho informal sem direito algum; diante de tanta criança sendo prejudicada sem acesso ao ensino, de tanta gente morrendo de covid-19, por que essa insistência com a treta ‘voto impresso’ x ‘urnas eletrônicas’?
Há o temor de que sejam preparativos para, dependendo do resultado das eleições de 2022, haver contestação. O que aconteceu em janeiro último, nos Estados Unidos, quando Donald Trump não reconheceu a derrota nas urnas, e seus aliados invadiram o Congresso (o Capitólio) para impedir, à força, a não oficialização da vitória de Joe Biden, poderia se repetir no Brasil? Curioso que lá a crítica dos trumpistas era justamente contra o voto impresso…
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio TSE estão cuidando de investigações para apurar responsabilidades sobre atos antidemocráticos, sobre a disseminação de fake news, entre outras ameaças à ordem política e social.
Que isso siga seu curso, com respeito total da Constituição da República. E que, também para respeitar a Constituição e retomarmos a estabilidade da democracia, consigamos inverter a pauta de prioridades. O que o Brasil carece não é de mudanças na tecnologia da eleição – da votação eletrônica para a impressa. A votação eletrônica está consolidada. O que não está sólida é a democracia. O Brasil clama é por ações urgentes de justiça social.