Por isso que a Constituição garante o sigilo da fonte – isto é, o veículo de comunicação não é obrigado a dizer com quem e como obteve os dados, se forem de interesse público
Foi o hacker de Araraquara quem passou ao site The Intercept Brasil as conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e integrantes da Lava Jato, que mostram ilegalidades na operação? Se sim, o site e outros veículos que passaram a divulgar os vazamentos, como Folha de S. Paulo e Veja, podem noticiar algo fruto de uma invasão de celulares?
Vamos por partes. Primeiro, até o momento não há em nenhuma prova de que o hacker de Araraquara ou qualquer um dos outros três presos pela Polícia Federal tenham invadido celulares de autoridades. Menos ainda que tenham passado as mensagens ao site The Intercept Brasil. Tudo ainda está no campo da investigação.
Por ora, suponhamos que sim, que o hacker de Araraquara ou um dos outros três tenham transmitido ao site The Intercept Brasil e a seu editor geral, o jornalista Gleen Greenwald, as conversas entre Moro e integrantes da Lava Jato. O jornalista poderia ter aceito isso? O site poderia noticiar? Por que o jornalista e o site não dizem como obtiveram essas conversas que mostram práticas ilegais da Operação Lava Jato?
Sim, Gleen e o The Intercept Brasil, assim com a Folha de S. Paulo e a Veja, como qualquer outro jornalista e veículo que tenham acesso a tais dados, podem divulgar essas conversas. Tendo sido fornecidas por quem quer que seja. E não são obrigados a dizer ao público quem forneceu. É o chamado direito ao sigilo da fonte. A Constituição, no artigo 5º, permite isso.
E não é nenhuma invencionice brasileira. Nas mais consolidadas democracias do mundo, é assim que funciona: a legislação garante o sigilo da fonte. A legislação garante que dados e informações de interesse público a que jornalistas e veículos de comunicação tenham acesso possam ser divulgadas. É bem diferente de permitir a ilegalidade. As autoridades podem e devem ir atrás de hackers, combater esse tipo de crime. Mas não podem impedir que as informações, se forem de interesse público, sejam noticiadas.
Isso ocorre justamente para preservar a livre circulação de notícias, e assim assegurar a democracia. Porque, quando se preserva o sigilo da fonte, permite-se que alguém que disponha de uma informação de interesse público privilegiada possa passar adiante, sem correr o risco de ser perseguido. Quando se dá o direito a jornalista e a um veículo de comunicação divulgar informações de interesse público, garante-se que os fatos sejam conhecidos por toda a sociedade.
O leitor reparou que a todo instante repetimos a expressão “interesse público”. Foi de propósito, para deixar bem explicado que a Constituição Brasileira e a legislação em outros países do mundo só permitem tudo isso quando se tratam de fatos que são de interesse de toda a sociedade. Fatos de foro íntimo, ou que interessam só a particulares, esses não podem ser divulgados sem a consulta às partes envolvidas.
Conversas entre autoridades, sobre uma operação – a Lava Jato – que trouxe impactos profundos na política e na economia brasileira são, obviamente, de interesse público. O jornalista Gleen e a Folha de S. Paulo e a Veja estão a todo instante reafirmando que só são publicados os trechos das conversas que se referem à operação, não as de cunho particular. Porque tudo o que envolve a Lava Jato, você tem o direito de saber. E os jornalistas e os jornais, o direito a informar.