Costumo colher uma informação em contexto de primeira sessão de psicoterapia como tradição.
“Quem você tem?”
A pergunta nem sempre é compreendida logo de cara. Explico.
O verbo ‘ter’ surge na função de determinar quantas são as pessoas que os pacientes têm na vida, sobretudo aqueles com quem podem contar.
A surpresa é que a resposta, quando não é zero, fica muito próxima dele para uma quantidade cada vez maior de pessoas.
Alguns pensarão que o resultado de minha surpresa é exagerado, uma vez que naturalmente estarei diante de pessoas que experimentam dificuldades para estabelecer esses laços de aliança. Ocorre que a tendência é mais geral do que se pensa.
Uma pesquisa realizada em 2021 apontou o Brasil como sendo o primeiro país no mundo quando o assunto é sentir solidão, com uma estimativa de 50% dos brasileiros.
A provável razão desse fenômeno recente é múltipla, como o expressivo aumento do uso de celular – e o consequente isolamento que ele tende a provocar – e alguns efeitos ainda persistentes da pandemia.
E embora a solidão seja uma expressão mais grave e tardia da experiência de isolamento, o que intriga é que não se costuma procurar ajuda especificamente por isso.
As demandas terapêuticas são sempre de outra ordem. Muitas delas constituem-se de compilados de problemas que, no início, eram pequenos e foram se tornando grandes sem que ninguém ao redor pudesse notá-los.
E se pudermos evitar o acúmulo, contando mais com quem nos cerca?
Abrir-se com pessoas de nossa confiança ou de nosso convívio costuma ter o efeito parecido com o dos pequenos furinhos da tampa de uma panela de pressão, é o desabafo constante que impedirá um aumento indesejável de pressão ou mesmo uma explosão.
O fato que o terapeuta acabe sendo a única figura do dia a dia que escutará as lamentações dos mais diversos tamanhos é cenário cada vez mais frequente em contexto clínico.
Obviamente, nesses casos um dos primeiros desafios terapêuticos se torna o esforço de criar, ampliar, revigorar ou estreitar laços com quem possa somar forças no compartilhamento de angústias e estresses de qualquer natureza.
Os benefícios dessa prática, tão simples e negligenciada, vão além da diminuição da pressão. Em princípio, por sermos seres fundamentalmente sociais, precisamos encontrar no conjunto de nossas relações algo como um aliado, alguém com quem se possa obter atenção e apoio, pra reconhecer em nós um certo grau de sofrimento.
Observe se está sendo capaz de confiar em quem está ao seu lado, se tem tido coragem suficiente para se abrir verdadeiramente e poder extrair os benefícios imediatos de alívio no contato positivo com aqueles que nos cercam.
Faz parte de nosso esforço contar com quem contar.
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